Melancolia de Von Trier e a aceitação do destino
- Roberta Pinto
- 10 de out.
- 3 min de leitura
Como cinéfila, gosto de exercitar novos olhares para filmes que já assisti. Perde-se a surpresa do enredo, das eventuais “viradas de página”, mas abrem-se novas camadas. Se a narrativa não surpreende mais, fico livre para simplesmente me entregar para a experiência de imersão que o cinema proporciona.
Tempo para mim tem sido um dos bens mais preciosos, entrando na lista dos valores inegociáveis. Nos primeiros minutos de 2025 assumi uma promessa: fazer as pazes com os tempos. O tempo Cronos e o tempo Kairós. Cronos, o cara que não perdoa mesmo, escorre entre os dedos na velocidade da areia na ampulheta, aparece toda vez que nos olhamos no espelho, surge no calendário mostrando que é quase março, e daqui a pouco será dezembro... Kairós, por sua vez, mostra o tempo enquanto qualidade, o momento certo das coisas, indo além do relógio.
Então tic tac ao invés de tic tac perder tempo tic tac, no feed infinito das redes sociais (ando com ranço do Instagram desde que o “zuzu” se assumiu como membro da gangue do homem laranja), estou investindo esse tempo para assistir novamente grandes filmes. Sim, de novo. Pois que outro olhar tenho hoje sobre essas obras? Será que elas envelheceram enquanto Cronos ou ganharam qualidade enquanto Kairós?
Pesquisando o que existe de disponível hoje no streaming, eis que Melancolia de Lars Von Trier salta na minha tela. Para quem ainda não viu o filme lançado em 2011, o resumo da sinopse. Dividido em duas partes, o longa apresenta as duas irmãs: Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg). Conforme vai construindo sua narrativa, percebemos as diferenças nos estados de espírito e comportamentos, que ficam ainda mais evidentes com a notícia que o mundo pode estar chegando ao fim com a aproximação do planeta Melancolia da Terra. Na medida que a colisão do grande planeta azul (blue também significa o estado de depressão no inglês) se torna um perigo real e não mais uma hipótese, Justine aceita o destino, enquanto Claire entra em desespero.

Von Trier não esconde ser entusiasta das ideias de Sartre. À medida que Melancolia vai se desenrolando diante dos nossos olhos, Von Trier nos provoca a refletir sobre a fragilidade da existência humana ao explorar temas como mortalidade, liberdade existencial, aceitação, tristeza e destino. Em 2011 eu assisti Melancolia com olhos de jornalista e crítica de cinema, enquanto desta vez trouxe na bagagem os óculos da Astrologia. Com isso consegui admirar ainda mais essa obra.
Uma das discussões mais antigas da humanidade recai sobre o destino versus livre arbítrio. O que de fato está na nossa mão e podemos mudar, e o que não depende de nós? Já pensei muito sobre isso. Mesmo.
Os povos antigos acreditavam que o destino era selado pelos deuses e por isso era muito importante estabelecer uma boa relação com eles. Uma relação de respeito, devoção, sacrifício e adoração.
Séculos depois, a Astrologia desenvolvida no período grego helenístico bebeu na fonte filosófica do estoicismo de Platão, onde o destino é algo para ser aceito, ou melhor, AMADO. Amor fati, ou “amor ao destino”. Viver o destino requer a aceitação total de todas as partes da vida, mesmo as mais dolorosas. E a Astrologia é ferramenta usada para conhecer as possibilidades do destino.

Em um momento do filme, Justine diz para a incrédula irmã que sabe que o planeta vai colidir contra a Terra. “Simplesmente sei que vai acontecer”. A grande discussão quando se debate destino versus livre arbítrio, astrologicamente falando, é como lidar com essa “previsão” quando ela aponta para um caminho doloroso? Para os estoicos ou Justine, quando aceitamos conseguimos seguir em frente. A aceitação é que traz a liberdade. Presa na teia da ansiedade se encontra Claire que acredita que pode fazer alguma coisa para fugir da rota de colisão. A verdade liberta. Amor Fati.
Particularmente entendo que existe um caminho intermediário, onde as promessas de acontecimentos contidas no mapa se manifestam mas não selam o destino como algo imutável. Imagino um grande jogo de tabuleiro onde jogamos com as possibilidades do mapa o tempo inteiro. As peças de planetas-signos-casas se mesclam com variáveis como o contexto de vida e a maturidade que temos para encarar problemas ou aproveitar nossas conquistas. O certo é que todos estamos sujeitos às experiências do jogo da vida como conhecer pessoas, perder pessoas, ter saúde, adoecer, trabalhar, pagar contas, se divertir, amar, casar, separar, amar de novo, ter pets e/ou filhos, ter poucos ou muitos amigos, viajar, ter hobbies, envelhecer e morrer. As experiências estão contidas na promessa de cada mapa, porém algumas serão mais marcantes que outras, ou como diz o velho aforismo “os astros inclinam, mas não determinam”.
A não ser que esse astro se chame Melancolia e esteja em vias de colidir com a Terra.
Comentários